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Rudá Guedes Ricci -


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Jornal O Avaré 03/07/2014 01:02:40

PLÍNIO DE ARRUDA   SAMPAIO

 

 

 

 

Meu pai falava de Plínio de Arruda Sampaio com aquele sentimento nítido de orgulho alheio. Acho que ele teve certa simpatia com o PT justamente porque Plínio estava lá, um destaque em meio ao time de barbudinhos. Não recordo bem quando o conheci, se numa reunião dos católicos progressistas, numa discussão sobre reforma agrária ou num diretório do partido. Plínio era austero. E rigoroso. Lembro que quando comecei a auxiliar a equipe de seu escritório político, ele disse que só trabalhava com gente de cabelos brancos ou que usasse sapatos. Abandonei os tênis. Preferia que minha cabeça se sentisse em casa, embora os pés estivessem em Marte. Em 1989, o escritório de Plínio se transformou num dos mais importantes espaços de divulgação da campanha de Lula para o interior paulista e, já no segundo turno, de negociação com prefeitos de outros partidos que queriam um dedinho de prosa e qualquer argumento razoável para entrarem na canoa.

 

 

Plinio era considerado um cristão fervoroso. De fato, era. Mas não se encaixava num padrão fácil. Lembro-me de como pegava uma lapiseira e, com letra miúda, explicava com a paciência do mundo, o que era política de alianças. Citava Mao Tsé Tung, o que devia confundir metade dos militantes que se consideravam a reencarnação da vanguarda revolucionária, mas que não se lembravam das passagens que o cristão “quase bispo” citava. Explicava que não se alia com quem é igual. Pode parecer óbvio, mas nos anos 1980 e 1990, fazia uma diferença enorme para a esquerda brasileira que ainda matutava sobre a ideia de democracia como valor universal, sem adjetivos. Também me recordo de Plínio explicando que os conselhos que estávamos propondo na Constituinte não eram os sovietes. Eram canais institucionais de participação popular. Vou ser sincero e, sei, polêmico: Plínio foi o melhor quadro do Partido dos Trabalhadores. Melhor que Lula. Basta rever, ainda que rapidamente, seu currículo.

 

 

Nasceu em 1930, ano fundacional de nossa vida nacional republicana. Com pouco mais de vinte anos, foi Promotor em Sertãozinho, no interior paulista, ao lado de Ribeirão Preto, e depois se transferiu para Pindamonhangaba. Ainda na década de 1950, foi presidente da JUC, a famosa Juventude Universitária Católica. Mas foi como subchefe da Casa Civil e coordenador do plano de ação do governo Carvalho Pinto (São Paulo, de 1959 a 1963) que sua estrela passou a brilhar com mais intensidade. Plínio contava que transformou uma parede inteira de sua sala num grande mapa de obras, que acompanhava com precisão, cada passo, cada atraso. Vi algo do gênero, muitas décadas depois, quando me incorporei à Escola Sindical 7 de Outubro, coordenada por Alex Sgreccia. Dizem que Dilma Rousseff era uma gerentona do PAC quando ministra. Se tivessem conhecido o que Plínio fez nos anos 1960, pensariam duas vezes em promover tão facilmente alguém que aplica técnicas de acompanhamento de obras.

 

 

Foi secretário do governo Prestes Maia, em 1961, e assessor do presidente João Goulart. Elegeu-se deputado federal pelo Partido Democrata Cristão, em 1962, quando foi relator do projeto de reforma agrária. Sua postura era algo muito similar ao que o PSB adotava: defesa da justiça social cristã, criticando duramente a prática real comunista e o capitalismo liberal, que denominava de individualista e desumano. Foi cassado pelo AI-1, quando era vice-líder de seu partido na Câmara Federal. Foi para o Chile, trabalhar na FAO, hoje dirigido por José Graziano (filho de José Gomes, dirigente da Associação Brasileira de Reforma Agrária, e grande amigo de Plínio). De lá, foi trabalhar no escritório da ONU, nos EUA. E retornou ao Brasil em 1976, se incorporando à FGV de São Paulo (onde estaria Eduardo Suplicy). Foi fundador, no ano seguinte, do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), a contraface do CEBRAP (este, vinculado a Fernando Henrique Cardoso) e onde trabalharam Francisco Weffort, José Álvaro Moisés, Eder Sader, Sérgio Adorno, Maria Conceição D´Incao, Amélia Cohn, entre outros. Tive o privilégio de fazer parte deste time nos anos 1980. Filou-se ao PT em 1981. Antes, se envolveu com as discussões sobre a criação do Partido Socialista, das quais participaram Lula, Fernando Henrique Cardoso, Almino Afonso, Francisco Weffort, Marcos Freire, Jarbas Vasconcelos, Suplicy e tantos outros que acabariam se dividindo entre PT e PMDB. Na Constituinte de 1987, foi atuante em várias comissões (como deputado federal) e membro da coordenação de acompanhamento da CNBB. Toda a agenda de lutas democráticas do pós-regime militar teve Plínio como expoente. Todas as lutas de massa. Todas. 

 

 

Numa provável vitória de Lula em 1989, Plínio já aparecia nas listas de ministros garantidos. No governo paralelo, depois da derrota, estava lá, ao lado de seu filho, Plininho. Em 1990, contudo, veio a prova mais dolorida de como é tratado um candidato não abençoado pela burocracia partidária. Plínio comeu o pão que o diabo amassou, sovado pela executiva estadual do PT. Lembro-me do olhar fulminante de Glauco Arbix e do sorriso irônico de Cândido Vacarezza. Num ano de ausência de liquidez na economia nacional, fruto do plano econômico de Collor e Zélia Cardoso, não havia por onde correr. Depois da vitória de Erundina, a burocracia paulista não deixaria, nem que custasse um preço altíssimo, que um não alinhado se tornasse competitivo. Não bastava perder.

 

 

Em setembro de 2005 filiou-se ao PSOL, depois de disputar a presidência nacional do PT. Fiz parte da articulação, em Minas Gerais, que fez campanha para Plínio ser presidente do partido de Lula. No último evento de campanha em Belo Horizonte, na Igreja São José, centrão da capital mineira, não dava para conter o sentimento de desforra moral. Igreja lotada que lembrava os tempos de partido de massas e misturava sem cerimônia autoridades constituídas e moradores da periferia. Confesso que fiquei constrangido com a saída intempestiva, prevista, mas não anunciada, de Plínio para o PSOL. Rendeu uns bons pitos de petistas engajados.

 

 

Como candidato à Presidência da República, em 2010 (quando foi o quarto mais votado no país, com quase 900 mil votos), Plínio demonstrou sua acuidade política. Candidato por um partido muito pequeno, com 80 anos de idade, desconcertou todos candidatos, com humor e ironia.

 

 

Este é Plínio. Aquele que conseguiu fazer o que Gramsci imaginava ser a aliança histórica dos comunistas italianos: fundir, na prática, o catolicismo com a esquerda.

 

Colaboração de:

Rudá Guedes Ricci.


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