A queda da Monarquia e o nascimento da República. Há exatos 125 anos, uma nova forma de governo surgia no País. Mas, ao contrário do que muitos pensam e do que algumas escolas insistem em ensinar, a mudança não se deu de forma grandiosa, gloriosa ou heroica. A proclamação de Marechal Deodoro da Fonseca, que se tornou o primeiro presidente do Brasil, teve caráter golpista, com um levante político-militar e não mobilizou o povo.
Quem explica essa história é a professora Sonia Mozer. Ainda hoje, qualquer governante precisa de uma base de sustentação, como bem sabem o prefeito Rodrigo Agostinho (PMDB) e a presidente Dilma Rousseff (PT). Ao final do século 19, não era diferente. Tanto é que a destituição de Dom Pedro II só aconteceu quando o imperador deixou de contar com o respaldo dos setores da sociedade que o apoiavam: os militares, a Igreja e os fazendeiros. “Isso aconteceu por diversas questões. Dentre elas, a própria incompetência do governo. O principal, no entanto, é que o mundo estava mudando em uma velocidade nunca vista antes e a Monarquia não acompanhava esse processo. O imperador, então, não tinha mais como se manter”, conta a historiadora.
Ela explica que as massas não eram consideradas como base de sustentação nem se julgavam como tal. “A camada pobre não foi chamada para decidir, definir ou ao menos dizer o que queria naquele momento. Novamente, na história do Brasil, uma mudança acontecia de cima para baixo. Não houve participação popular. Aconteceu um golpe militar e as pessoas assistiram pasmadas”.
Referindo-se ao episódio da Proclamação, o escritor Lima Barreto, lembra Sonia, chegou a dizer que “o Brasil não tem povo; tem público”.
Segundo a professora, exemplo maior do distanciamento da população durante o processo de instauração da República é a ausência de conflitos no episódio de sua proclamação.
“Foi de um jeito muito diferente do que observamos em outros países. A queda de um governo raramente é pacífica. Isso, muitas vezes, é visto como uma coisa positiva para a cultura e a história brasileira. Mas o que esse processo, de fato, significou?”, questiona Sonia Mozer.
Made in USA
Outra curiosidade foi o modelo de República adotado no País. A professora de história lembra que a cópia ao dos Estados Unidos foi tão grande que, a partir da Constituição de 1891 – a primeira da nova forma de governo -, o Brasil passou a se chamar Estados Unidos do Brasil. A nomenclatura foi adotada até 1967, quando surgiu o nome República Federativa do Brasil, vigente até hoje.
“Derrubado o imperador e exilada a Família Real, era necessário compor uma nova forma de governo. Mas não se procurou uma solução doméstica, algo parecido com a nossa cultura. Se isso tivesse ocorrido, certamente não teríamos uma República presidencialista, mas parlamentarista. Afinal, o parlamentarismo era o sistema mais parecido com a experiência do Brasil durante o Segundo Reinado”, observa Mozer.
Segundo Sonia, a inspiração se dava em função do sucesso e do desenvolvimento observados na nação estadunidense. “A ideia era: se eles estão se dando bem com esse modelo, vamos imitá-los”.
Avanço
A proclamação da República foi também, segundo o antropólogo Cláudio Bertolli, uma tentativa de modernizar o Brasil, considerado, até então, como um país bárbaro. Exemplo disso é que a revolução que derrubou a monarquia francesa já havia ocorrido há 100 anos, quando a Constituição dos Estados Unidos também foi ratificada, em 1789.
“No século 19, não havia a classificação das sociedades desenvolvidas ou subdesenvolvidas. Elas eram bárbaras e primitivas ou civilizadas. Nós não éramos civilizados: tínhamos escravidão até um ano antes. Daí vieram a higienização das cidades, a industrialização e outras tentativas, que se arrastam até hoje. A modernização alcançada é para inglês ver. Todo mundo tem computador, mas isso é avanço restrito aos hábitos de consumo; e não no campo das políticas sociais e econômicas”, avalia.
Democracia
No mundo ocidental, o conceito de República está fortemente associado ao de democracia. A historiadora Sonia Mozer observa que a forma de governo pressupõe a escolha de representantes, direta ou indiretamente, e a alternância de poder, a partir de mandatos com tempo determinado.
Nos últimos 125 anos, porém, a história brasileira foi marcada por golpes e ditaduras, como a do Estado Novo de Getúlio Vargas e a do regime militar, instituído em 1964.
“Acredito que as imperfeições da nossa história republicana se justifiquem pelo fato de não termos criado um modelo nosso. Sempre buscamos algo que já existe lá fora. Nesse aspecto, tanto os Estados Unidos quanto a Europa Ocidental têm experiências mais consolidadas”, avalia a professora.
Sonia lembra que ainda no início da República surgiu o que chamamos até hoje de voto de cabresto e os currais eleitorais. “O voto era universal para os homens, mas, como era aberto, criou-se esse costumo perverso por parte dos fazendeiros que dominavam os votos de suas regiões”.
Ausência popular é deliberada
O antropólogo Cláudio Bertolli avalia que o distanciamento dos brasileiros no processo de nascimento da República acarreta em diversas consequências, sentidas até os dias de hoje. Uma das principais é o desenvolvimento de uma equação política na qual o povo normalmente está excluído ou incluído como massa de manobra. “A elite sempre colocou os mais pobres de lado, dizendo: ‘Não participe. Pode deixar que nós decidimos’. É um condicionamento histórico imposto ao povo”, observa.
Bertolli aponta o surgimento de uma espécie de identidade na qual a sociedade só se rebela em pequenas proporções. “Como aconteceu no ano passado, nos protestos de junho”, exemplifica.
O antropólogo lembra que, apesar de a República ter sido proclamada de maneira pacífica, várias revoltas com pautas republicanas já haviam ocorrido durante a Monarquia, inclusive com a participação popular. “Todas foram reprimidas de forma violenta. Foi esse, aliás, o momento em que se construiu o Exército, com tropas formadas pelo povo, mas comandadas pela elite”. Segundo ele, como o Exército liderou o movimento que depôs Dom Pedro II, perpetuou-se a ideia de que os militares eram agentes políticos fundamentais para a sociedade.