Dois irmãos suspeitos de cometerem o ataque fatal contra a redação do jornal semanal francês Charlie Hebdo foram mortos quando a polícia invadiu ontem a gráfica em que estavam escondidos, enquanto um segundo incidente terminou com a morte de quatro reféns num mercado judaico.
O fim violento dos dois sequestros simultâneos ocorreu após uma operação policial de escala sem precedentes, resposta da França a uma das maiores ameaças à sua segurança interna em décadas. A grande perda de vidas nos três dias consecutivos também traz o risco de fortalecer as vozes anti-imigrantes no país e em outros locais do Ocidente.
Autoridades disseram que Cherif Kouachi e o seu irmão Said, ambos na casa dos 30 anos, morreram quando forças antiterroristas entraram numa gráfica na pequena cidade de Dammartin-em-Goele, a nordeste de Paris, onde os principais suspeitos pelo ataque de quarta-feira haviam sido cercados. O refém que os dois fizeram foi salvo, disse uma autoridade.
Ocorreram tiros, seguidos de explosões, e então o silêncio, ao mesmo tempo que fumaça saía do telhado da gráfica. Em meio à neblina, um helicóptero pousou em cima do edifício, sinalizando o fim da ação. Uma fonte do governo disse que os irmãos saíram do prédio e abriram fogo contra a polícia antes de serem mortos.
Outro ataque
Minutos depois, a polícia terminou com a segunda ação com reféns, num supermercado judaico no leste de Paris. Uma fonte do sindicato policial afirmou que quatro reféns haviam sido mortos junto ao agressor que, acredita-se, tinha ligações com o mesmo grupo islâmico dos irmãos Kouachi.
O presidente da França, François Hollande, confirmou a morte das quatro pessoas durante um pronunciamento na televisão, pediu união nacional e disse que o país deve continuar implacável diante do racismo e do antissemitismo.
“Na verdade, foi cometido um ato antissemita terrível”, disse ele sobre a tomada de reféns por um atirador islâmico no supermercado Hiper Cacher, no distrito de Vincennes.
Reféns
Imagens do supermercado Hyper Cacher, no distrito de Vincennes, mostraram dezenas de policiais fortemente armados e aglomerados do lado de fora das duas entradas. A ação começou com tiros e uma explosão junto à porta. Depois, os reféns foram retirados às pressas.
Fotos da Reuters tiradas de uma longa distância mostraram um homem segurando uma criança, parecendo tenso e sendo colocado numa ambulância pela polícia. Outros foram levados em macas.
Autoridades francesas mobilizaram uma força de quase 90 mil homens desde o ataque de quarta-feira contra o jornal satírico Charlie Hebdo, publicação semanal polêmica por ridicularizar o Islã e outras religiões.
Suspeito de ataque a mercado kosher encontrou Sarkozy em 2009, diz jornal
Amedy Coulibaly, 32 anos, identificado como o sequestrador que matou quatro reféns em um mercado kosher na periferia de Paris ontem, tinha diversas passagens pela polícia - e, segundo o jornal francês “Parisien”, pelo menos uma no Palácio do Eliseu.
Em 2009, ele teria conhecido o então presidente da França, Nicolas Sarkozy.
O encontro era uma reunião sobre as oportunidades de emprego para a juventude francesa. Antes do evento, Coulibaly concedeu uma entrevista ao “Parisien”, em que dizia esperar conseguir um emprego com o presidente.
Na ação de ontem, também teria participado do sequestro Hayat Boumeddiene, 26 anos, namorada de Coulibaly e agora foragida.
Djamel Beghal, teria sido o mentor de Coulibaly. Beghal cumpriu dez anos de prisão por terrorismo e seria um dos responsáveis por treinar jovens interessados em integrar a jihad. Segundo as autoridades francesas, Coulibaly e Chérif Kouachi, suspeito de ser um dos atiradores que matou 12 pessoas no ataque ao jornal, foram vistos juntos em 2010. Chérif também teria feito um treinamento com Beghal.
Al-Qaeda no Iêmen é responsável por ataque ao ‘Charlie Hebdo’, diz membro
A Al-Qaeda do Iêmen dirigiu o ataque contra o jornal satírico francês “Charlie Hebdo” em Paris, disse ontem um integrante do grupo, conhecido como Al-Qaeda da Península Arábica (AQAP, na sigla em inglês).
“A liderança da AQAP dirigiu as operações e escolheu seu alvo cuidadosamente”, afirmou.
Segundo o integrante do grupo, que forneceu à agência Associated Press uma declaração em inglês, o massacre de 12 pessoas no jornal, conhecido por satirizar as religiões, foi “uma vingança pela honra” do profeta Maomé.
No comunicado, ele afirma que o ataque correspondia aos alertas feitos pelo líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, morto em maio de 2011, ao Ocidente sobre “as consequências da persistência na blasfêmia contra as santidades muçulmanas”.
Ele acrescentou que o grupo demorou em reivindicar autoria pela ação por “razões de segurança”.
A informação surgiu depois dos irmãos Said Kouachi, 34 anos, e Chérif Kouachi, 32 anos terem sido mortos.
‘Devemos ser implacáveis contra o racismo e o antissemitismo’, diz Hollande
O presidente francês disse ontem que a “união do país é a arma mais importante para combater terror”.
As declarações foram feitas durante discurso à nação, transmitido ao vivo pela TV pouco antes das 20h locais (17h de Brasília), após a dupla ação das forças de segurança contra três terroristas que mantiveram reféns em dois locais separados, desatando pavor em toda Paris.
“Devemos ser implacáveis contra o racismo e o antissemitismo”. A frase é um dos momentos de destaque do curto discurso proferido pelo presidente da França, François Hollande.
Na fala de pouco mais de cinco minutos, Hollande ressaltou a ocorrência de ataques a mesquitas realizados após a chacina na sede da revista satírica “Charlie Hebdo”, na quarta-feira, e apontou, principalmente, a invasão ao mercado judaico ocorrida ontem, quando ao menos três reféns foram mortos, em mais um de uma série de atos contra judeus em território francês.
“Os assassinos foram neutralizados graças a uma operação dupla das polícias. E eu gostaria de dizer que estamos orgulhosos dos nossos agentes. Os policiais fizeram ações para salvar reféns e neutralizar os assassinos. Mas a França sabe: as ameaças ainda não acabaram”, disse Hollande, fazendo coro ao que o ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, disse pouco antes.